Dentro da propriedade de Isac Miola e Vilma Zotti, na Linha Ibiaça, em Dois Vizinhos, está um dos maiores museus de sementes e ramas do Brasil. Eles conservam mais de 300 variedades de sementes de feijão, milho, arroz, amendoins e ervilhas além de ramas de batatas e mandiocas, entre outras. UM CANCERIANO SEM LAR.

De geração em geração, de família em família. O cultivo de sementes crioulas, grãos de alimentos naturais sem qualquer alteração genética ou mutação por produtos químicos, é uma valiosa herança defendida e transmitida por agricultores que lutam pela produção saudável de alimentos desde sua germinação. Lu Sudré – Brasil de Fato in: MST
As sementes crioulas – que, diferente das híbridas ou transgênicas, não passaram por manipulação genética por empresas privadas – sobrevivem graças ao trabalho dos agricultores familiares.
“Não basta a variedade estar dentro da geladeira, ela tem que estar interagindo com o ambiente. Então a figura do guardião se torna essencial”, afirma Gilberto Peripolli Bevilaqua. O pesquisador , da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), unidade Clima Temperado, de Pelotas lamenta, contudo, que o número de guardiões tenha se reduzido, em função de muitos jovens optarem por não permanecer no campo.
“Somos alimentados por um número muito pequeno de espécies e isso é extremamente perigoso do ponto de vista da segurança alimentar”, observa Bevilaqua.
O objetivo é deixar para as futuras gerações essas variedades e a história do casal com conservação de sementes começou em 2004. “A gente nem pensava nisso, mas fomos convidados a participar da 2ª Festa Regional das Sementes que estava acontecendo em Francisco Beltrão. Levamos um pouco de semente que tínhamos e trouxemos um monte para casa. Gostei disso e comecei a perseguir esses eventos, até me tornar um guardião de sementes”, explicou Miola. Alexandre Baggio – Jornal de Beltrão
O produtor destacou que a produção de sementes, no passado, era dessa forma, mas as variedades modificadas geneticamente estão ganhando cada vez mais espaço. “O sistema que está em vigor foi adotado pela grande maioria, que considera o que a gente faz, atrasado. De uns 40, 50 anos, as coisas mudaram de um jeito que não tem mais volta. No começo, a gente até chegou a usar milho híbrido na propriedade, não transgênico, e pagava quatro sacos de milho para 40 quilos de semente, mas hoje tem que pagar 80 sacos de milho para comprar os mesmos 40 quilos de semente. O pessoal não percebeu ainda essa exploração. Nesse cenário, eu sei que o que estou produzindo, posso consumir sem problema nenhum, de saúde, de nada”, completou.

“Como armazenamos em litros pet, às vezes, a umidade pode ficar um pouco alta e pode perder, mas é difícil. O pessoal procura a maioria das sementes porque já estão quase extintas”, acrescenta.
Isac Miola é apoiado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Dois Vizinhos, Cresol, Assessoar e UTFPR. O casal duovizinhense faz parte de um grupo de aproximadamente 90 guardiões de sementes do Brasil.
Guardiões da semente conservam sementes crioulas – RIC Rural
Confira a história dos guardiões e guardiãs de sementes crioulas. São os agricultores que resgatam, cuidam, melhoram e preservam a diversidade de alimentos.
As sementes crioulas são um importante patrimônio da humanidade. O resgate, a conservação e a multiplicação são feitas, em grande parte, por Povos e Comunidades Tradicionais, que enfrentam diversos desafios, frente à contaminação com Agrotóxicos e Transgênicos. Defesa
Proteção do meio ambiente, resgate histórico e social, segurança alimentar e economia na propriedade. Esses são alguns benefícios gerados por meio dos produtores de sementes crioulas. Epagri
“A agricultura nasceu com as mulheres. Elas foram muito responsáveis pelo manuseio das sementes nos primórdios do ser humano, e isso veio se desenvolvendo”, afirma o pesquisador Gilberto Peripolli Bevilaqua, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), unidade Clima Temperado, de Pelotas. Danton Júnior – Colabora
“A semente crioula é fundamental para todo o processo de sustentabilidade dos sistemas produtivos”, resume o biólogo e extensionista rural Carlos Roberto de Ávila Rocha, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater/RS). Além de cultivar as sementes crioulas, o guardião se encarrega da seleção. De acordo com Rocha, o melhoramento genético ocorre a partir de uma espécie de hibridização natural, uma vez que os responsáveis, que escolhem as melhores variedades, recolhem as sementes e se dedicam a multiplicar o material.

“Um guardião de sementes é alguém que se preocupa com o futuro da humanidade, com quem está vindo por aí. Temos a preocupação de cuidar, promover a troca de sementes, resgatar o que se perdeu, contar as histórias dos avós, dos imigrantes que vieram de longe. Cada semente tem uma história,” explica Gerson Mauro Fertig, agricultor do município de Frei Rogério, é um guardião de sementes há mais de 40 anos.

“A gente plantando tudo aquilo que comemos, não dependemos de comprar as coisas no mercado. A saúde da gente é aquilo que a gente come. Eu já estou com 75 anos e nunca tomei remédio de farmácia. Isso porque sempre como coisa pura, sem veneno”, explica Antonio Taborda, que começou a plantar aos 20 anos e protege o cultivo de grãos em sua forma natural.
“tudo que é bichinho tem sua utilidade, não podemos matar, ele também precisa sobreviver”
“A pessoa que come veneno, de coisa de mercado, fica doente fácil. Tem um posto de saúde que não vence, o médico chega a ficar louco. A prefeitura tem que pagar o médico, pagar o medicamento, levar pra cidade grande pra tratar. Então por que o governo não investe na alimentação sem veneno, que é isso que a gente sabe fazer. Eu sei fazer”, diz orgulhoso.
Foi a “companheirada de luta” que apontou que Cesar Luis Kerber é um guardião de sementes, embora muito antes ele já cultivasse e cuidasse para que variedades de sementes se mantivessem livres de insumos químicos, como agrotóxicos. Orientado pelo que chama de slogan do guardião – “sementes são patrimônio dos povos a serviço da humanidade” – ele defende que o compromisso central deste lugar que ocupa é com a sustentabilidade e o livre uso das sementes.

Compromisso em cuidar da terra, a quem pertence o ser humano e não o contrário, e em colorir a mesa da população. “Hoje você come batata inglesa que não é inglesa. Vendem três variedades e existem mais de 3 mil. Eu cultivo 9 variedades de batata doce e o mercado vende apenas a convencional. O que se pensa é que comer bem é encher a barriga de arroz, feijão e macarrão, mas comer bem é uma diversidade de alimentos”, conclui.
“O principal compromisso é manter as variedades em mãos da gente, puras, livres de contaminação, pra que com isso garanta a sustentabilidade das gerações futuras. As sementes são livres, elas não podem ser patenteadas”. Ainda que ele desenvolva melhoramentos genéticos e crie a variedade “Cesar” de milho, por exemplo, após sete anos de práticas e experimentações agrícolas, o guardião destaca: “a nova variedade não é minha, não posso patentear como grandes multinacionais fazem, cobram royalties”.
A prática tem origem milenar. No entanto, com a forte incidência das corporações multinacionais no controle dos alimentos e a flexibilização do uso dos agrotóxicos, a guarda das diversidade de variedades alimentares, puras e não contaminadas, é necessidade urgente. Lizely Borges e Luiza Damigo – Terra de Direitos
Protagonistas da resistência ao monopólio de grandes empresas estrangeiras no setor de comercialização de grãos transgênicos para a agricultura, as guardiãs e guardiões de sementes se fortalecem a cada dia por meio da partilha das próprias sementes e dos conhecimentos ancestrais que carregam.

São as mulheres e homens campesinos – nomeados como guardiãs e guardiões – que resgatam, cuidam, melhoram e preservam a diversidade de alimentos. Nesta prática enfrentam à um modelo hegemônico agrícola, que se sustenta no uso de venenos, nas relações de esgotamento e contaminação da terra e da água, na exploração da força de trabalho da e do trabalhador rural.
Guilherme Mazer, da Rede de Sementes da Agroecologia (Resa) e do Coletivo Triunfo, explica que desde a aprovação da legislação que aprovou o Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), as multinacionais do agronegócio dominaram todas as variedades de semente. Ou seja: sem acesso à outras opções, muitos agricultores acabam utilizando os grãos adulterados.
“É importante irmos para a rua, criarmos leis. Mas se não tivermos a semente de nada adianta. Quanto mais gente, mais guardiões, seja do campo ou da cidade. Multiplicar os guardiões é a ferramenta mais concreta de luta contra os grandes projetos que tem os monopólios das sementes”, defende a filha de agricultores, Ines Fátima Polidoro, guardiã e integrante da Comissão Pastoral da Terra, a CPT, que desde criança aprendeu com sua mãe a nutrir a “esperança de colocar a semente na terra e cuidar dessa semente para ela nos dar o alimento”.

“Acredito que para nós, guardiãs, há uma relação espiritual que não conseguimos materializar. É nossa união com nossos antepassados. Por isso eu e tantas guardiãs não protegemos só os alimentos. Queremos as adubações naturais para nutrir o solo e que as flores possam florescer. Eu vejo que nosso sentido de guardiã é a nutrição da existência”, diz Neltume Espinoza, moradora de Morretes, município da região litorânea do Paraná, que acredita ser uma guardiã vai muito além de garantir a segurança alimentar.
Parte de um todo, “somos parte fundamental da cadeia da nutrição e da existência, o primeiro passo foi feito pela natureza. O segundo somos nós quem damos, assegurando a continuidade da vida”.

Em 2019, a história de resistência ao modelo do agronegócio conquistou a aprovação da Lei Municipal nº 2457/2019, de incentivo aos sistemas de produção agroecológica e orgânica e a conservação, uso, promoção e distribuição das sementes crioulas pelos agricultores familiares e camponeses do município de Anchieta/SC. Títulos importantes como o de Capital Nacional da Produção de Sementes Crioulas, instituído pela Lei Federal nº 13.562/2017, e de Estadual do Milho Crioulo, concedido através da Lei Estadual nº 11.455/2000, fazem parte dessa história. Adriane Canan – Brasil de Fato
“Ser guardiã perante o contexto político que temos é muito honroso. Estamos indo para um caminho de honrar a vida. Estamos com a força que vem da natureza. Me emociona ver tantas pessoas trabalhando pela agroecologia, tentando fazer algo diferente”, completa.

Plantar, distribuir e proteger sementes é o que eles fazem. Os guardiões incentivam práticas agroecológicas que diminuem a dependência da agricultura em insumos vindos de fora da propriedade.
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